Nascemos em condição de dependência material, fato. Quando nos damos conta disso, é iniciada nossa busca pela "independência".
Até aí, nada de novo ou polêmico. Nada mais natural que a fase adolescente em que desejamos não depender de outras pessoas (principalmente do núcleo familiar) para satisfazer nossos desejos.
"Não consigo perder minha virgindade... ah, mas meu amiguinho me ensinou a fazer o trabalho sujo com minhas próprias mãos."
"Meu primeiro Nike não chega nunca... tudo bem, aquele trabalho no shopping me permitirá ter as roupas necessárias pra finalmente ter o respeito que mereço."
Parece enraizado na Sabedoria Convencional que a alternativa mais eficiente (maximizadora de utilidade) - e portanto, a alternativa que deve ser contínua e perpetuamente ensinada - é seguir o velho conselho dos velhos: estudar e arrumar uma boa carreira.
Por quê?
Parece uma pergunta simples, mas, sinceramente, não creio que é.
Não creio que todas as pessoas estão buscando "o dinheiro"; mas, antes, perseguem sua independência, com um ar de nobreza virtuosa tão estranho aos atentos.
Pra quê depender de isqueiro alheio?
Qual o benefício em depender
completamente da "benevolência do açougueiro" (ou de qualquer outro) para encontrar alimento?
Qual a diferença entre um "relacionamento sexual gratuito" e um "coito de mercado" senão a independência do último perante a laboriosa conquista da cama da amada?
Minha tese revolve em torno deste conceito: Queremos "dinheiro" pois acreditamos (e defendemos) que este "substituirá" qualquer outro esforço. Afinal, o dinheiro é o bem FUNGÍVEL por natureza - sua finalidade é ser um bem que POR TUDO pode ser trocado. Trocas simplificadas, ao máximo.
Minha ideia de libertação segue em sentido oposto. É somente quando DEPENDEMOS dos outros, que podemos solidarizar e enxergar "o outro". Quando dependo do motorista e do cobrador por uma carona, não posso abordá-los como meros funcionários subalternos; mas peço o
favor condicionado à humanidade que há (ou houve) dentro de todos - ao depender dos outros, estou liberto do individualismo.
É somente assim que consigo advogar o fim da obsessão pelo dinheiro - clamando pelo fim da busca individualista (por natureza) pela independência.
Sem querer ser positivista, creio que isso é um retrocesso contínuo para a sociabilidade.
À proporção que a tecnologia avança, menos dependemos de outros indivíduos para nos sentirmos bem. Querem criticar os gamers por "se perderem no mundo virtual", mas não são eles, também, meros indivíduos egoístas buscando a independência (principalmente afetiva e quanto à "realização") perante o mundo real? Entretanto, o custo (da "independência") é a dependência ao dinheiro e tudo o mais que há implicado nisso.
Passamos a depender: de nossos empregos; de nossa capacidade (limitada) para produzir; da benignidade da "mão invisível" (crises econômicas podem custar nosso emprego); e, principalmente, de TODAS AS CONDIÇÕES QUE PERMITEM tal produção e distribuição dos bens que produzimos e consumimos.
Não dependemos mais do papai, mas passamos à condição de DEPENDENTES da
impessoalidade do mercado. E achamos isso lindo, ideal - há algo mais ideal que a justiça que não se encontra nas mãos de "um outro", facilmente corrompível?
Não me parece estranho, depois de refletir sobre estas coisas, nossa sociedade ser tão dividida e incoesa, tão bélica e competitiva.
Não necessitamos (tanto) "dos outros", ao custo de sermos condizentes (quando não, defensores) de absurdos morais, como trabalho escravo ou a gritante desigualdade social.
Algo tão conveniente como "alcançar o bem estar social através do individualismo" não pode estar arrado. Mr. (Adam) Smith nos deu o aval.
Finalizando: Como podemos falar sobre "sustentabilidade", "fraternidade" ou mesmo "amor" nessas condições? Somos Humanitários virtuosos ao sermos Egoístas?
Desculpem, mas não serei julgado na posteridade pela aderência a esta ignorância, hipocrisia e perversidade. Sou vagabundo com muito orgulho. Chupim, serrinha, dead-beat, aproveitador... fiquem à vontade para aumentar o rol de nomes que enquadram a "renúncia à busca da independência"; OU, tentem entender como uma postura anti-capitalista, o que considero mais apropriado.